Revista Veja: três centímetros de bom senso em 90 kg de conjecturas
Capa desta semana abusa de estereótipo e chancela preconceito com base em leitura rasa da chamada "evolução tecnofísica"
A edição desta semana da revista Veja mal chegou às bancas e já virou
polêmica. Mas, a despeito do repertório de sempre, não traz nenhuma
especulação bombástica sobre os bastidores da política brasileira. Nem
por isso, entretanto, abriu mão do tom especulador, descontextualizado e
sensacionalista, acrescentando a esses ingredientes um olhar
generalista e estereotipado apoiado em uma teoria nada consensual.
Opondo um elegante e feliz homem alto a outro baixinho com expressão
rabugenta, a revista estampa a manchete "Do alto tudo é melhor", que
detalha dizendo que "A 'evolução tecnofísica' explica por que as pessoas
mais altas são mais saudáveis e tendem a ser mais bem-sucedidas". A
capa deixou muita gente estarrecida e, tão logo, caiu nas redes sociais e
blogs, gerando, obviamente, inúmeras críticas e intensos debates, que
ainda devem se prolongar por alguns dias.
A capa é, de fato, um grande equívoco. A foto associada à manchete
reflete e reforça um olhar preconceituoso, que vai na contramão de todas
as tentativas de quebrar velhas visões e banir absurdos que ainda vemos
cotidianamente, como – para ficarmos com um exemplo que está muito em
voga atualmente – o bullying praticado contra quem não atende aos
padrões estéticos da sociedade contemporânea (como o baixinho gordinho
da foto). Antes de vender exemplares e ganhar mídia espontânea com a
polêmica, uma publicação do porte da Veja – a maior do Brasil – precisa
saber que deveria ter a responsabilidade de não fomentar coisas desse
tipo. Jornalismo irresponsável faz mal e transforma mentiras,
estereótipos e preconceitos em verdades absolutas. E os exemplos que
temos disso no passado não são nada bons.
Mas isso não é tudo. Além de deixar sua imensa contribuição
negativa aos esforços por uma sociedade sem preconceitos (e quando digo
imensa não é exagero, já que a revista é a mais lida do Brasil e forma
opinião de muita gente), pregando uma visão, no mínimo, questionável, a
Veja se apoia em uma interpretação rasa e incompleta de uma teoria que,
além de não ser consensual, não é o que a manchete tenta fazer com que
seja. E isso fica claro na própria matéria, que não fornece nenhuma
referência para a ideia de que os mais altos tendem a ser mais
bem-sucedidos, reforçando a impressão de que a afirmativa é apenas
conjectura da própria revista.
Quando a matéria diz que as pessoas altas "tendem a ser mais
bem-sucedidas", nenhuma fala do economista citado como principal fonte e
criador da tal "evolução tecnofísica" (apresentada como "nova teoria",
mas que já nem é tão nova assim) – o Nobel de Economia Robert W. Fogel
– é transcrita na reportagem ratificando-a, bem como não se consegue
encontrar menção a essa visão em artigos do pesquisador sobre o assunto,
inclusive neste aqui,
do qual há grandes chances de que tenham sido retiradas algumas de sua
falas citadas na reportagem (trechos idênticos constam nos dois textos),
embora ele seja apresentado como "entrevistado".
A revista, inclusive, não se estende muito no assunto polêmico, que
de tão enxuto no texto não justifica o destaque na capa. Nas 15 páginas
do especial, a reportagem apresenta informações até interessantes, como
os perigos da obesidade para a saúde e a importância da boa nutrição
para as crianças em seus primeiros anos de vida (embora não apresente
nenhuma novidade). E em poucas frases, bem depois da metade da
reportagem, resume tudo que anuncia na manchete (até lá, o leitor se
pergunta o que a matéria tem a ver com a barulhenta chamada na capa).
Tão rasa quanto a concepção de que os mais altos se saem melhor que
os baixinhos, é a explicação dada sobre tal tese, tirada sabe-se lá de
onde. Sem fontes claras – fossem elas estudiosos ou mesmo uma pesquisa
quantitativa das que renderam a Fogel boa parte da relevância que tem
hoje – a revista limita-se a exibir um quadro intitulado "Por que alguns
centímetros a mais fazem diferença", citando relações mirabolantes
entre altura e sucesso, e ao seguinte parágrafo, de autoria da própria
redação da revista:
"A altura está associada também à
produtividade, ao poder e ao sucesso. Pessoas mais altas são
consideradas mais inteligentes e conseguem aumento de salário com maior
facilidade do que as mais baixas. Medir 5 centímetros a mais do que os
colegas de trabalho garante um salário 1,5% maior, ou 950 dólares
suplementares no fim do ano. A altura é um quesito crucial até para a
liderança. Entre 1789 e 2008, 58% dos candidatos mais altos à
Presidência dos Estados Unidos ganharam as eleições. Barack Obama tem
1,85m. O republicano Mitt Romney, 1,88 metro".
É necessário dizer mais alguma coisa?
(Texto extraído do link: http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/revista-veja-tres-centimetros-de-bom-senso-em-90-kg-de-conjecturas/63088/ do site http://www.administradores.com.br/academico/ Nao é de minha autoria.)
O povo tem o que merece
ResponderExcluirOi Pelé, às vezes penso isso também. Vamos vamos lá mudar isso, bola para frente! Obrigada por comentar!!
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